NÃO EXISTE INOVAÇÃO SEM COMPLIANCE

Estudo da Fundação Dom Cabral estima aumento dos investimentos em inovação por parte do setor empresarial brasileiro. Pesquisador aponta relação entre empresas inovadoras e gestão de riscos relacionados aos pilares do ESG.

“As empresas começaram a entender que inovação não é somente fazer design thinking, mas algo vinculado ao contexto estratégico e operacional”.

Quando o assunto é a expectativa de investimento em qualificação dos colaboradores para inovação, as projeções sobem para 40% em 2021 e 45% em 2022. As companhias esperam um aumento de 70% no número de ideias geradas em relação aos anos anteriores.

A partir da análise sobre os dados do primeiro trimestre de 2021, é possível apontar uma tendência de ganho de maturidade por parte do ecossistema de inovação brasileiro.

Em face da ampla repercussão da agenda ESG no último período, os dados sinalizam atividades ainda no nascedouro e sem uma estrutura de monitoramento e avaliação.

“Existe uma preocupação relacionada a esses temas, mas sem uma agenda estruturada com indicadores e resultados concretos. Ou seja, as iniciativas até existem, mas ainda não sabemos qual é seu impacto real”.

Entretanto, não existe inovação sem compliance. “Empresas sérias e com práticas concretas de inovação têm clareza da estrutura do negócio e um plano concreto para mitigação dos riscos, além de uma agenda bem estabelecida de ações voltadas ao mercado e aos clientes.”

Inovação e disrupção são palavras de ordem em um mundo que corre contra o tempo para se adaptar às inovações tecnológicas. O perfil das novas gerações – representadas pelos millennials – exige mudança de cultura e o abandono da formalidade nos ambientes corporativos. A ideia é que os processos sejam mais simples, menos burocráticos e que as regras cedam lugar ao espaço necessário para o exercício criativo.

Nesse contexto, é comum que se questione a compatibilidade entre inovação e compliance. A primeira impressão é a de que a internalização de mecanismos de gestão e controle vai de encontro às tendências de maior liberdade no ambiente profissional. Tem-se a percepção de que o programa de compliance traria uma rigidez despropositada com a proliferação de códigos, métricas e políticas internas, em contraposição ao minimalismo necessário para que a criatividade e, consequentemente, a inovação aconteçam.

A aparente contradição pode ser confrontada com a seguinte provocação: “O que faz com que um carro de Fórmula 1 possa correr tão rápido? O sistema de freios”. A analogia é comum na área e a explicação é bastante simples. O sistema de freios é o que confere segurança para que o piloto possa acelerar nas retas, sabendo que conseguirá reduzir a velocidade quando precisar fazer uma curva. Não significa que os freios façam o carro andar mais devagar. Pelo contrário. É que sem o sistema de freios a velocidade média precisaria ser drasticamente reduzida para evitar colisões – provavelmente fatais.

O programa de compliance funciona como o sistema de freios que permite que a empresa saia na frente na corrida da inovação, com a segurança necessária para evitar que novos projetos potencialmente lucrativos resultem em prejuízos milionários. Isso é o que a experiência demonstra.

As notícias mais recentes sobre o tema no Brasil envolvem a Hering, intimada para prestar esclarecimentos sobre o seu sistema de reconhecimento facial, sob pena de aplicação de multa que pode chegar a R$ 9,7 milhões[4]. Nos Estados Unidos, o Facebook questiona a aplicação de uma multa de U$ 5 bilhões em decorrência da ferramenta que, após a identificação facial, sugere a marcação de usuários nas fotos postadas.[5] Ambas as empresas são acusadas de utilizar ferramentas que traduzem uma violação à privacidade. Mais uma vez, o sistema de freios poderia ter contribuído para que a inovação fosse acompanhada da observância à legalidade, evitando a aplicação das mencionadas penalidades. No entanto, mesmo tendo uma boa gestão de riscos, a empresa pode optar por não acionar o sistema de freios.

Um programa de compliance efetivo permite que a empresa ouse a tal ponto, corra riscos – até o limite que entender aceitável. E esse limite pode ser alterado. É provável que a equipe de gestão de risco da empresa, naquele momento, tenha preferido evitar colisões.

Essa é a razão pela qual os compliance officers não devem desanimar quando são chamados de “trava-rodas”. Várias das atribuições do responsável pelo programa são imprescindíveis para a inovação. O monitoramento dos riscos, por exemplo, pressupõe que os concorrentes sejam constantemente acompanhados e permite o desenvolvimento de soluções criativas para as vulnerabilidades identificadas, o que pode resultar na criação de produtos altamente rentáveis. Cientes disso, os departamentos de projetos e novos produtos devem buscar interagir com o setor de compliance, não só para prevenir prejuízos, mas também para buscar inovação.

O outro lado da moeda é que, para não se resumir a uma rotina maçante e excessivamente burocrática, o programa de compliance depende muito das habilidades dos profissionais de marketing, design e gestão de pessoas. A utilização de jogos – físicos ou eletrônicos –, o recurso à realidade aumentada e à própria inteligência artificial inserem o compliance na linguagem inovadora e descontraída exigida pelas novas gerações – sem perder o comprometimento que lhe é inerente.

Sob a perspectiva da inovação, o programa assume a feição do hemisfério esquerdo do cérebro, que traz ordem e racionalidade para os processos criativos e inovadores típicos do hemisfério direito. O cérebro, por evidente, só funciona se ambos os hemisférios estiverem operando em conjunto. O propósito do programa de compliance é sim permitir que a empresa inove, mas que inove com consciência, sobretudo dos riscos inerentes a toda inovação.

 

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