O colunista Sergio Chaia reflete sobre o fenômeno dos “workaholics” e dá sugestões de como lidar com a questão.
Uma vice-presidente de uma multinacional me procurou recentemente. A maquiagem ainda não escondia completamente as marcas de herpes labial que ela tinha contraído. Ao perceber que notei, ela comentou que isso havia acontecido pela baixa de resistência fruto de um pré burnout. Mas a questão ainda era mais complexa. Ela sabia que deveria trabalhar menos e que isso prejudicava sua saúde e vida familiar. Mas se autodiagnosticou viciada em trabalho. E, para complicar, admitiu que gostava daquilo.
O CEO de uma grande indústria me confidenciou que havia abandonado a academia e o ritual de jantar com os filhos e esposa pelo menos três vezes por semana. O motivo era porque ele acreditava que deveria se dedicar mais ao trabalho. A pressão do conselho por melhores resultados pedia mais reuniões, viagens e discussões com a equipe.
Quando fiz algumas perguntas adicionais senti que tinha mais coisa ali. No fundo, ele estava gostando de estar tão ocupado e se sentindo poderoso de ter tanta responsabilidade e gente ao seu redor.
Aquela VP e o CEO não são casos isolados. Existem pessoas em todos os níveis de uma empresa que são viciadas em trabalhar. Você conhece alguém assim ou se vê assim ?
O vício em trabalho, também conhecido como workaholism, é um vício comportamental caracterizado por uma necessidade incontrolável de trabalhar e uma incapacidade de parar ou reduzir as horas de trabalho. As pessoas com esse vício podem trabalhar horas excessivamente longas, negligenciar sua saúde, relacionamentos e hobbies e experimentar estresse, ansiedade e esgotamento.
Líderes viciados em trabalho e que gostam disso trazem um efeito colateral indesejável. Como gerenciam times, tendem a levar toda a equipe a trabalhar enlouquecidamente, complicando a vida de muita gente que não tem esse vício. Eles também podem ter uma percepção distorcida e acreditar que sua autoestima e identidade estão ligadas ao seu desempenho no trabalho.
Não sou psicólogo, nem terapeuta. Não tenho conhecimento técnico para isso. Aliás, nesses dois casos, indiquei uma especialista de confiança. Entretanto, elaborei junto com eles um plano de ação customizado baseado em três grandes pilares:
- Consciência de que a obsessão pelo trabalho é prejudicial;
Sempre penso que 70% da solução de um problema é você entender que tem um. Reconhecer que esse vício está te prejudicando é o primeiro passo para buscar caminhos para endereçar a questão. Entender, com a ajuda de um terapeuta, os motivos que te levam a isso, aumenta as possibilidades de mudança. - Substituir um hábito por outro;
Estudos demonstram que uma forma de mudar um hábito é substituí-lo por outro. Nesse caso, por outro mais saudável. Pessoas muito acostumadas a estarem sempre com a mente fervilhando pelas questões profissionais precisam achar atividades que consumam essa energia antes dedicada só ao trabalho.
Outro CEO que tinha o vício de começar a trabalhar tão logo acordava decidiu mudar sua rotina. Hoje, ele vai três vezes por semana de bicicleta ao trabalho, e na volta para casa coloca a bike em um Uber e ouve um audiobook. Tomamos um café recentemente e é visível sua mudança física e padrão mental. Sem contar os resultados que também evoluíram no plano pessoal e profissional.
- Quando acontecer isso, faça aquilo.
Segundo Gabrielle Ottinger, estudiosa sobre comportamentos, um dos motivos que faz com que não realizemos o que desejamos é que não temos um plano preparado quando uma barreira ou dificuldade aparece. No caso de pessoas viciadas em trabalho, toda vez que o desejo de voltar a trabalhar alucinadamente aparecer fora de contexto, é importante ter de antemão uma atividade que seja mais benéfica para colocar em prática.
Entendo perfeitamente que os tempos de hoje requerem um foco relevante no desempenho da sua atividade profissional. O mundo está cada vez competitivo. E quem não evolui em performance vai ficando para trás. Mas acredito que os melhores insights, aqueles que mudam sua performance de patamar, ocorrem quando você gera propositalmente espaço mental. E isso ocorre, geralmente, em atividades fora do trabalho.
Para isso, tão importante quanto fazer, é pensar o fazer. Fica a sugestão para os viciados em trabalho que acreditam que trabalhar sempre mais é sinônimo de performance e destaque.
Vale refletir que, se até os grandes atletas treinam, descansam e se nutrem de outras referências e relações, por que ele não pode compor seu modelo no mesmo caminho ?
